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Pesquisas em Aquidauana visam ao aproveitamento de resíduos

Erva-mate, óleo de fritura e o fruto da Bocaiuva são objetos de estudo de alguns projetos desenvolvidos no IFMS, que têm como objetivo evitar o desperdício.
por Laura Silveira publicado: 04/09/2019 10h43 última modificação: 10/09/2019 10h09

Aqui Tem Ciência e Tecnologia Aquidauana

A máxima do químico francês Antoine Laurent Lavoisier "na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma" é levada a sério por estudantes e professores do Campus Aquidauana do Instituto Federal de Mato Grosso do Sul (IFMS).

Em alguns dos projetos desenvolvidos no ciclo 2018-2019 da iniciação científica, resíduos da erva-mate, por exemplo, são transformados em substrato agrícola e carvão ativado, produzido também a partir da extração do óleo do fruto da Bocaiuva. E tem mais: o óleo utilizado em frituras se transforma em tinta ecológica e os resíduos da construção civil em blocos de concreto para pavimentação de calçadas.

“Tivemos mesmo muitos trabalhos que trataram sobre aproveitamento e transformação de algum produto, principalmente aqueles que temos bastante na nossa região, como a bocaiuva e a erva-mate, muito consumida por causa do tereré”, explica o coordenador de Pesquisa e Inovação do campus, Cézar Bezerra.

Um dos trabalhos trata da “Utilização do resíduo da erva-mate como substrato agrícola”. O estudante Tiago Minatto, 17, do curso técnico integrado em Edificações, atuou como voluntário no projeto, sob orientação da professora Ana Lucia Cabral. O projeto nasceu a partir de uma observação.

“Aqui em Aquidauana tomamos muito tereré, e verificamos que as pessoas jogavam fora a erva-mate na grama, o que é um problema porque, quando começa a apodrecer, esquenta muito e acaba matando a raiz das plantas".

Para a pesquisa, foram instaladas lixeiras específicas para descarte da erva-mate no campus do IFMS. O produto recolhido foi seco e peneirado. A partir daí, foram plantadas sementes de alface e tomate para a realização de testes com substratos da erva-mate pura, apenas seca e peneirada, e também misturada a húmus.

O projeto continua sendo desenvolvido neste ano. Nesta nova etapa, serão realizadas análises comparativas dos resultados dos testes para descobrir se o substrato é eficaz.

“Tivemos muitos trabalhos que trataram sobre aproveitamento e transformação de algum produto, principalmente aqueles que temos bastante na nossa região, como a Bocaiuva e a erva-mate”, explica o coordenador de Pesquisa e Inovação do campus, Cézar Bezerra.

A erva-mate também foi reaproveitada em outra pesquisa - “Produção de carvão ativado a partir dos resíduos de erva-mate” - orientada pelo professor Thiago Lopes.

De acordo com Luiz Fernando Sobrinho, 16, estudante do curso técnico em Edificações e um dos bolsistas do projeto, a ideia também surgiu devido à erva ser muito consumida por moradores de Aquidauana e região.

Para a produção do carvão, a erva-mate descartada foi recolhida e passou por diversos processos, como secagem, aquecimento, filtragem e lavagem. Testes foram feitos usando um equipamento chamado espectrofotômetro, onde são colocados carvão ativado comercial, o carvão ativado produzido e água destilada (água pura).

“Conseguimos produzir o carvão ativado a partir da erva-mate e fizemos testes de uso dele para purificação de água. Apesar de não ter a mesma eficiência que um carvão ativado comercial, o custo de produção é menor e tivemos ótimos resultados”.

  • O estudante Tiago Minatto atuou como voluntário no projeto que utiliza resíduo da erva-mate como substrato agrícola

  • Foram plantadas sementes de alface e tomate para a realização de testes com substratos da erva-mate

  • O trabalho já foi apresentado em feiras científicas

  • A professora Ana Lucia foi orientadora do projeto

  • Em outro projeto, carvão ativado foi produzido a partir da erva-mate

  • Luiz Fernando (à direita) e João Victor apresentaram a pesquisa na edição 2019 da Fetec/MS

  • Para a produção do carvão ativado, a erva-mate passou por diversos processos

Bocaiuva - O mesmo carvão ativado foi desenvolvido em outro projeto de pesquisa do Campus Aquidauana, dessa vez por meio de uma fruta típica do cerrado. “Aproveitamento dos resíduos de extração do óleo de Bocaiuva para a produção de carvão ativado”, também orientado pelo professor Thiago Lopes, teve como um dos participantes Allan Arguelho, 19, que já finalizou o curso técnico em Edificações.

A Bocaiuva foi a matéria-prima escolhida porque, na pesquisa bibliográfica, verificou-se que, se todo o potencial de produção do óleo da fruta do Brasil fosse aproveitado, seriam gerados 76 bilhões de litros ao ano. 

“Seriam geradas 300 mil toneladas de resíduos, das quais 100 mil correspondem ao endocarpo do fruto, parte escolhida para produção do carvão ativado”, aponta Allan. 

O jovem explica que o carvão ativado possui alta capacidade de remover alguns elementos. “É um material cuja estrutura é composta por átomos de carbono. Ele consegue remover alguns elementos devido aos inúmeros poros que contém, os quais retém, em seu interior, elementos por meio de interações físicas ou químicas, dependendo das características do carvão e do elemento que será absorvido”.

  • Allan Arguelho foi um dos bolsistas no projeto que utiliza a Bocaiuva

  • A fruta foi escolhida devido ao seu grande potencial de resíduos

  • O carvão ativado é um material que remove alguns elementos devidos aos inúmeros poros que contém

Outros projetos - A professora de Química, Valquíria Ferreira, orienta o trabalho que busca reaproveitar um produto altamente poluente. Trata-se do "Desenvolvimento de uma Tinta Ecológica a Partir de Óleo de Fritura".

“Uma única gota de óleo pode contaminar um milhão de litros de água", ressalta a docente.

Valquíria explica que indústrias de óleo de soja comercializam o produto para produção de tinta, mas que no projeto optou-se pelo óleo já utilizado.

“Uma única gota de óleo pode contaminar um milhão de litros de água. A indústria do óleo de soja vende o produto para produção de tinta, mas optamos pelo óleo já utilizado”, aponta a docente Valquíria Ferreira.

A arrecadação foi feita no próprio campus do IFMS. A partir daí, o óleo foi limpo utilizando-se carvão ativado. “As moléculas foram quebradas com a ajuda de um catalisador. A próxima fase do projeto é a polimerização das moléculas para produzir a resina, que é a base da tinta”, explica. Como não será tonalizada, a tinta será um verniz transparente.

Mas o objetivo não é só a produção do verniz em si. No futuro, a ideia é a produção de uma tinta inteligente.

“Queremos misturar a tinta produzida a partir do óleo com uma substância chamada lumóforo, que é capaz de absorver a luz do sol durante o dia e emitir luz à noite. Ela pode ser usada em asfaltos, por exemplo, ou em fachadas de prédios, para amenizar o problema da falta de iluminação pública”, aponta Valquíria.

  • A professora Valquíria Ferreira orienta o trabalho que busca desenvolver uma tinta ecológica a partir de óleo de fritura

  • O projeto contou com a atuação voluntáriá dos estudantes Vitor de Oliveira e Mateus Akayama

  • A pesquisa foi apresentada na Feira de Ciência e Tecnologia de Aquidauna (Feciaq)

Outra professora do campus, Munique de Lima, viu nos resíduos da construção civil matéria-prima para produção de blocos de pavimentação de calçadas. Foi esse o objetivo do “Estudo da Viabilidade Técnica de Produção do Concreto para Blocos Utilizados em Pavimentação de Calçadas (Acesso de Pedestre) Utilizando Agregados Reciclados Encontrados na Região de Aquidauana - MS”.

“Num primeiro momento, a gente viu que Aquidauana tinha um problema de destinação de resíduos da construção civil. Aqui é comum usar o resíduo como aterro, o que não é permitido por lei, mas não há fiscalização. Pela norma, a gente só pode usar o resíduo da construção civil normalizado para pavimentação”, explica.

O resíduo coletado foi triturado, peneirado e, a partir daí, foram produzidos alguns blocos de pavimentação.

“O traço que a gente usou conseguiu resistência igual ou superior ao traço de referência que não tinha resíduos. Isso foi o pontapé inicial. A partir de agora, pretendemos desenvolver um projeto de extensão, em parceria com a prefeitura, para produção dos blocos”, aponta Munique.

O projeto de iniciação científica também se transformou em Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) das estudantes Camila de Oliveira e Talisse Arguelho, ambas do técnico integrado em Edificações. Saiba um pouco mais sobre o estudo:

Pesquisa em evolução - O número de projetos de pesquisa desenvolvidos no campus Aquidauana do IFMS por meio da iniciação científica passou de nove, no ciclo 2014-2015, para 35 no ciclo 2018-2019, um salto de aproximadamente 300%.  Nesse último período, a unidade foi a que mais teve projetos aprovados, de um total de 178.

Os 35 trabalhos envolveram 76 estudantes, sendo 34 bolsistas e 42 voluntários. Para a execução dos projetos, foram investidos R$ 58 mil por meio de apoio financeiro e da concessão de bolsas a estudantes de cursos técnicos e graduação. O valor pago aos bolsistas é proveniente do orçamento do IFMS e também via Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

“A gente observou um aumento significativo no número de pesquisas nos dois últimos anos. É o resultado de um trabalho de divulgação dos editais de iniciação científica junto aos estudantes, estimulando que eles busquem os professores para desenvolverem projetos”, aponta o coordenador Cézar.

Outro dado importante é que o número de desistências dos estudantes participantes diminuiu. “Por conta desse interesse dos estudantes em desenvolver pesquisas, diminuíram os índices de evasão da pesquisa. Até em projetos cujos alunos são voluntários, não temos mais tanta desistência”, finaliza Cézar.

O poder da pesquisa - O estudante Tiago Minatto, bolsista do projeto da erva-mate como substrato agrícola, é um defensor da iniciação científica. Acredita que a pesquisa só traz benefícios para a vida acadêmica e pessoal.

“Quando você termina um trabalho científico e consegue ver um resultado, é uma sensação de bem-estar, de dever cumprido. Pouca gente tem ideia do quanto a pesquisa é importante no Brasil e do tanto que ela é forte. Há muitos projetos sendo desenvolvidos em Aquidauana cujos resultados podem ter impactos até a nível nacional”.

O trabalho foi premiado na Feciaq – Feira de Ciência e Tecnologia promovida pelo IFMS em Aquidauana –, e já foi apresentado na Feira de Tecnologias, Engenharias e Ciências de Mato Grosso do Sul (Fetec/MS) e também na Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace), em São Paulo.

Para Tiago, a pesquisa mudou sua visão de futuro.

“Já desenvolvi três projetos de pesquisa, participei de feiras e conquistei prêmios. Pude conhecer muitos pesquisadores, que me deram dicas. É algo que eu não esperava quando entrei no IFMS, tinha apenas o intuito de estudar, me formar e fazer uma faculdade. Após me envolver com a pesquisa, mudei bastante meus ideais. É maravilhoso participar da iniciação científica, foi uma das melhores coisas que aconteceram na minha vida”.

Para Allan Arguelho, que além do trabalho sobre extração do óleo de Bocaiuva para a produção de carvão ativado já tinha participado de outro projeto voltado para ao ensino e aprendizagem, iniciação científica é sinônimo de conhecimento.

“A vantagem da iniciação científica é que ela abrange seu conhecimento nas áreas de seu interesse. Pude aprender conteúdos que eu não via em sala de aula, ou que via mas sem uma aplicação pra eles. Isso tudo é bem interessante porque você começa a assimilar aquilo que está aprendendo”.

Feiras - Anualmente, o IFMS promove as Feiras de Ciência e Tecnologia nos dez municípios onde tem campi. O evento é a oportunidade para que estudantes do ensino fundamental, médio e técnico integrado, de escolas públicas e privadas do estado, apresentem trabalhos de pesquisa.

A edição 2019 da Feira de Ciência e Tecnologia de Aquidauana (Feciaq) será realizada nos dias 30 de setembro, 1º e 4 de outubro, durante a Semana de Ciência e Tecnologia do IFMS. Podem participar estudantes de Aquidauana, Anastácio e Miranda. As regras de participação estão dispostas na Central de Seleção.

As feiras do IFMS distribuem prêmios em diferentes categorias e credencia trabalhos para a Fetec/MS, que reúne na projetos de todo Mato Grosso do Sul na capital.

“Antes eu não sabia que existiam feiras científicas. Foi uma experiência nova que vivenciei apresentando o projeto, isso mudou totalmente meu modo de pensar”, diz o estudante Luiz Fernando.

O estudante Luiz Fernando, bolsista do projeto que transformou a erva-mate em carvão ativado, só conheceu o universo das feiras científicas por meio da iniciação científica. Uma experiência transformadora.

“Antes eu não sabia que existiam feiras científicas. Foi uma experiência nova que vivenciei apresentando o projeto na Feciaq e na Fetec. Isso mudou totalmente meu modo de pensar”.

Aqui tem Ciência e Tecnologia - A série de reportagens traz a importância da iniciação científica para a sociedade.

Foram abordadas pesquisas do Campus Nova  Andradina sobre produtividade agrícola, a consolidação de Coxim como polo de pesquisa, além de trabalhos desenvolvidos pelos campi Dourados, Jardim e Naviraí. Eficiência energética foi o foco em Três Lagoas, qualidade de vida em Campo Grande, e questões do setor agropecuário em Ponta Porã.

A série será finalizada com reportagem sobre o Campus Corumbá.