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ENTREVISTA

Verônica Rivas

Professora de Espanhol do IFMS e coordenadora de Programas, Projetos de Extensão e Eventos
por Paulo Gomes publicado: 25/05/2016 09h00 última modificação: 25/05/2016 14h52

Pernas inquietas. As mãos se entrelaçam com força. O corpo reage quando pedimos para Verônica Rivas falar sobre os momentos marcantes da vida. São muitas histórias, muitas batalhas, muitas vitórias.

Nascida na fronteira do Brasil com o Paraguai, em Pedro Juan Caballero, Verônica “perdeu” o pai já no parto. Ele deixou a família. A mãe, que aos 14 anos já tinha dois filhos, assumiu todas as responsabilidades. 

Em busca de uma vida melhor, a família foi para Dourados. Enquanto a avó fazia faxina, a mãe cuidava dos filhos. Aos 13 anos, Verônica retornou à fronteira para ser criada pela bisavó. Trabalhou limpando casas e foi babá para ajudar a comprar a “mistura”. Intensa, voltou para Dourados e virou atriz.

Mas a grande paixão pelo ensino, aliada à necessidade de ajudar a sustentar a família, fizeram com que Verônica retornasse e concluísse a faculdade de Letras, com especialização em Espanhol. Professora, trocou a fronteira com o Paraguai pela fronteira com a Bolívia. Em Corumbá, deu aulas na UFMS, fez mestrado e, finalmente, ingressou no IFMS, sua atual paixão.

A paixão pelo Instituto e pelo filho, Rubens, fizeram com que Verônica vencesse dificuldades que você nem imagina. Leia a entrevista e se emocione. Vale a pena conhecer esse “ser híbrido da fronteira do Brasil com o Paraguai”, como a própria Verônica se define.

Gostaria que você começasse a entrevista falando uma frase em Guarani que resumisse a sua vida.

She a rayhu etereí she sy'pe, porque há’e chembo'é akue teko peteĩ porãhave máva, ha ajapo porã haguá la ajapoa. (tradução: Eu amo imensamente a minha mãe, porque ela me ensinou a ser uma pessoa melhor e sempre fazer o meu melhor). 

Por que abrir a entrevista com essa frase? Notei que você ficou inquieta ao pensar nela.

A minha mãe é a grande referência de mulher guerreira pra mim. Uma mulher que não teve oportunidades na vida e sempre lutou muito para tentar fazer o melhor para os seus filhos. Lembro que quando éramos crianças, a situação era muito difícil. Às vezes ela só tinha um ovo para fritar, para dar com arroz . Ela fritava e dividia entre os quatro irmãos. Faltava para ela, mas não faltava para a gente. Ela abriu mão da vida dela. Teve filhos muito cedo, não teve orientação, e resolveu se dedicar aos filhos. Eu me sinto, de coração, na obrigação de cuidar dela. Transferi para ela, fora o amor de mãe, o amor de pai, que eu não tive. Ela era pai e mãe. Ela teve uma criação muito rígida e, tentando fugir disso, se envolveu com meu pai. Quando viu, estava grávida. Minha vó obrigou os dois a morar juntos.

Você nasceu na fronteira?

Eu e meu irmão mais velho nascemos na fronteira, entre Pedro Juan e Ponta Porã.  A minha mãe preferiu me registrar em Dourados. Eu fui bebê ainda e meu irmão tinha um ano. Fomos em busca de um futuro melhor. Estávamos muito pequenos e, na época, era possível fazer isso.

E vocês conseguiram uma vida melhor?

Sim, comparado ao que nós vivíamos na fronteira. Minha mãe tinha que ficar em casa e minha avó, que já era viúva na época, trabalhava de doméstica para o sustento da casa. A minha mãe vendia produtos de beleza e lingerie, sem sair de casa para cuidar das crianças. Quando eu completei 13 anos de idade, por conta de um selinho que dei no vizinho, minha avó me mandou morar com a minha bisavó em Pedro Juan Caballero. Lembro que ela me xingou ainda em Guarani. Mas era um encantamento de criança, não tinha essa malícia que você vê hoje. Era bem inocente.

E você foi?

Fui chorando, mas fui. A volta ao Paraguai foi bem difícil. A situação não estava fácil. Não tinha mais fartura. Eu tinha que estudar no Brasil e morar no Paraguai. Fazia uma caminha longa para a escola, todos os dias. Era bem difícil. Para ajudar a comprar a “mistura” para a casa, eu comecei a trabalhar de faxineira. Minha tia-avó conseguia pra mim. Eu limpava três casas. Passava o dinheiro para ela e, quando sobrava, eu comprava material escolar. Foi muito difícil esse período. Era uma educação muito rigorosa. Era só igreja e escola, igreja e escola. Mas, foi bom porque me deu um tempo para pensar. Ali eu comecei a traçar as minhas metas de vida. Decidi que não queria repetir a história da minha mãe, mas construir uma nova história com o apoio dela.

Foi aí que você decidiu ser professora?

Alguns professores e professoras me motivavam a querer trabalhar nessa área. Isso só foi aumentando com o tempo. Depois voltei para Dourados, entrei para um grupo de teatro, que foi onde eu aprendi muita coisa importante para minha formação. A minha professora de teatro, Gicelma Chacarosqui, que me encantou nesse sentido, foi uma musa inspiradora para minha formação profissional. Até fui um tempo babá da filha dela também. E fazia teatro com ela, acompanhava nas aulas da universidade, atividades envolvendo teatro. Ali percebi o que eu queria. Primeiro, tentei Educação Física na Unigran, mas não tinha como ficar pagando, tinha que trabalhar para ajudar no sustento da casa e desisti. Quando eu estava cuidando da filha da Gicelma, aproveitava para estudar os livros que ela tinha. Foi aí que eu decidi fazer Letras, com ênfase no Espanhol. Passei na UEMS [Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul] e comecei minha trajetória profissional em 2003. Um ano depois eu tive que parar a faculdade, pois apareceu um outro emprego que eu só conseguiria se tivesse tempo de manhã. Fiquei um ano e meio até conseguir reajustar meus horários para voltar aos estudos. Eu trabalhava à tarde, à noite e nos feriados para cobrir o horário que faltava de manhã. Fiquei seis anos no cerimonial da prefeitura de Dourados. Terminei a faculdade já com 28 anos de idade. Foi uma formação tardia pelas dificuldades. Mas eu não esmoreci. Tive altos e baixos por conta dos problemas, mas desisti do meu sonho.

Você foi a primeira da família a chegar à faculdade. Isso deve ter sido importante para eles.

Foi um grande orgulho para minha família. Para o meu núcleo familiar, eu sou a grande referência, sou alguém que conquistou seu espaço ao sol. Meus irmãos, minha mãe, minha avó, os familiares que me conhecem,  me consideram alguém que veio de uma situação socioeconômica muito difícil, desprovida de tudo,  e mesmo assim conseguiu conquistar seu espaço na sociedade. Hoje eu me vejo como uma vitoriosa.

E como foi depois de formada?

Quando terminei a faculdade, quis seguir minha profissão. Surgiu uma oportunidade de ir para Corumbá e eu decidi enfrentar esse desafio de vida. Prestei um processo seletivo para professor substituto da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, no campus Pantanal, e passei em primeiro lugar. Fiquei dois anos como professora substituta e dois anos fazendo mestrado em estudos fronteiriços. Fizemos muitos trabalhos interessantes. Na Universidade Federal eu comecei a me destacar como professora e profissional. A parte do cerimonial eu nunca escapei, nem aqui no IFMS, por conta da experiência na área.

Qual foi sua dissertação de mestrado?

Foi sobre línguas e preconceitos na fronteira Brasil/Bolívia. O meu orientador até sugeriu que a frase inicial da minha dissertação fosse “yo no soy boliviando, soy carioco”, porque os bolivianos tem o mesmo problema que temos na fronteira Brasil/Paraguai, que é a não aceitação da sua identidade. Eu abordei essa questão de sentir na pele a discriminação e o distanciamento que, muitas vezes, é cultural na questão de fronteira. Tem um trecho que falo do meu histórico, da questão da minha avó, dessa não aceitação das nossas origens. Eu me lembro que quando estava na graduação eu negava a minha origem. Aos poucos, comecei a aceitar isso. A academia ajudou muito, o conhecimento ajudou e, aos poucos, fui me assumindo. Quando assumi que eu era um ser híbrido de uma fronteira do Brasil com o Paraguai, começaram a aparecer outros também.

Como era a frase que sua vó falava para dizer que não era paraguaio?

[Responde com sotaque] ‘A gente no somo paraguajo, somo tudo brasilenho’. É mais ou menos isso. É muito engraçado quando ela fala isso.

E como o IFMS entrou na sua vida? Você teve essa ascensão dentro da Universidade Federal e de reprente, Instituto Federal. Como foi?

Nós estávamos vendo notícias na própria UFMS, e a coordenadora do curso de Letras, professora Rosangela Villa - que foi também uma pessoa importante na minha vida - comentou: “gente, tá abrindo um concurso de uma instituição federal, tem concurso pra áreas de vocês”. A gente nem sabia o que era o Instituto, não tinha a menor noção. Eu, na verdade, estava me preparando pra fazer concurso pra UFMS, mas aí pensei: “não, concurso é concurso, o que vier”. E minha entrada no Instituto foi meio que uma coisa divina pra mim, porque eu não estava focada pra entrar no Instituto. Fiz os dois concursos no mesmo dia, UFMS e IFMS. A única coisa que eu estudei para o concurso do Instituto foi o conteúdo sintaxes de colocação, no caso da língua espanhola. Foi o que eu estudei pra prova didática e, coincidentemente - por isso que eu penso que teve uma mão divina - foi o tema que caiu pra prova didática. No concurso da UFMS, fiquei muito nervosa, passei mal. Passei na prova escrita, mas na prova didática senti que faltei, fiquei muito nervosa. Isso foi de manhã. À tarde, fui fazer o concurso do Instituto Federal, lá eu já tava tranquila. Aí, eu passei. Parecia que o destino direcionou minha vida para o Instituto Federal.

E como começou sua trajetória no IFMS? Você começou dando aulas em Corumbá?

Nossa, chorei quando me chamaram. E quando eu assumi lá no Campus Corumbá, tudo era novidade, tudo era felicidade. A gente começou ali um trabalho de formiguinha com o professor Simão, ele era nosso diretor. Lembro que ele fez todo um trabalho de explicação do que era o Instituto, do que era a educação profissional e eu fiquei maravilhada, fiquei um tempo nas nuvens. A minha dedicação era total. Como eu ainda estava sem filhos, ficava em tempo integral no campus. A gente começou todo o processo de implantação, e ajudávamos em tudo. Organizei a implantação do Gabinete, organizei essa questão de eventos, a gente se envolvia com tudo. Eu executava, planejava e organizava com toda a equipe. Digamos que aquele início ali foi bem motivador, porque nós estávamos desbravando aquilo. Muitos que entraram no Instituto, entraram com esse mesmo sentimento. Quando a gente entrou, não importava as dificuldades. Muitos de nós pensávamos:  “poxa, isso aqui vai ser a nossa vida, e a gente tem que fazer de tudo pra fazer isso aqui crescer e aparecer, porque tá começando em Mato Grosso do Sul”. Então, era dedicação total. Tinha uma sobrecarga grande na sala de aula porque estava faltando docente, e a gente tinha meio que dividir os trabalhos. Fiz um treinamento por conta da minha expertise na área de cerimonial com carga horária de 20 horas. Nós fizemos o nosso primeiro cerimonial num espaço bonito lá na cidade, e eu lembro que foi super elogiado. A gente foi fazendo um trabalho de formiguinha, mas que foi aparecendo com o tempo. A equipe era super engajada e trabalhava com paixão. Foi um belo começo, foi motivante.

Aí de Corumbá você veio pra Campo Grande?

Vim pra Campo Grande por conta de acompanhamento de cônjuge. Sinceramente, falo pra você, eu me sinto muito feliz. Passei por um momento difícil agora na minha vida, eu estava tratando um câncer de tireoide e fiquei um tempo afastada. Graças a Deus, estava num processo inicial. Fiz uma cirurgia em outubro do ano passado e outra agora, em janeiro. Estou livre da doença, mas em processo de tratamento ainda. Isso me debilitou um pouco e este semestre ainda não estou na sala de aula por causa da voz. Tudo bem, o importante é continuar a vida, continuar a contribuir. Eu digo que hoje eu me sinto uma pessoa realizada, feliz. Desde que passei por esse processo de tratamento fiquei mais emotiva, desculpa, tá? O Instituto Federal também é a minha vida, também é uma família pra mim, minha família profissional. Eu tinha tudo pra dar errado e me sinto uma vitoriosa, e acho que o Instituto ajudou muito nesse sentido, abriu portas. Lógico que a gente tem aqueles momentos de dificuldades, de estresse, a gente às vezes se desmotiva por uma certa ação, mas acho que faz parte, o que a gente tem que ter é esse olhar diferenciado pra essa instituição que precisa da gente pra crescer e aparecer.

Você é uma apaixonada pelo Instituto, o que espera pro futuro dessa instituição?

Eu quero ver essa instituição se estabelecer como uma instituição de excelência, e fazer com que Mato Grosso do Sul realmente se desenvolva para um crescimento econômico, social e educacional. A instituição tem tudo pra fazer isso porque é diferenciada. Uma instituição de educação profissional, eu acredito que transforma a sociedade. Assim como tá transformando a vida de muitos servidores, acho que vai transformar a vida do Estado porque vai envolver os estudantes. Esses estudantes serão multiplicadores quando eles forem inseridos no mundo do trabalho, e vão mostrar a excelência que será essa instituição no futuro. Ainda temos um processo longo, uma caminhada longa pela frente. O Instituto Federal aqui em Mato Grosso do Sul vai alavancar o nosso Estado na parte econômica, na parte social, na parte cultural, porque nós temos projetos na instituição que vão fomentar a cultura, o que eu acho excelente e isso me motiva ainda mais. Digamos que sou também das artes,  eu quero muito participar e me sinto muito gratificada e agradecida a Deus por estar acompanhando e colaborando nesse processo. Tô muito feliz.

Pra gente fechar, você tem um filho, né?

Eu tenho, vai fazer dois anos agora no dia 30 de maio.

Fala um pouquinho da experiência de ser mãe... E você quer ver seu filho estudando aqui?

Eu quero, demais. A experiência de mãe também me transformou. Digamos que é um amor assim incondicional. O Rubens Eduardo veio pra melhorar a minha vida, e ele me transformou também enquanto ser humano. Antigamente, eu achava que era muito mole, muito frágil, mas a gente não é frágil, não. Na verdade, são esses acontecimentos importantes na vida da gente que mostram o quanto a gente é forte. Nos momentos difíceis e nas dificuldades que a gente mostra a nossa força, e o Rubinho veio pra mostrar isso pra mim. Eu passei por esse momento difícil, e ele foi a grande força da minha vida. Quando a gente passa por uma situação de uma doença que você não espera, e que de repente tudo pode acabar, aí você tem essa luz, essa benção divina, esse amor incondicional. O meu marido também, é um grande companheiro e me dá muita força. Ele vê a minha paixão pela instituição e a minha dedicação de ver isso realmente transformar socialmente, economicamente, e ele me apoia muito nesse sentido. Eu quero que o Rubens Eduardo faça parte dessa história comigo. Com certeza, no futuro, eu quero que ele construa também o caminho dele, a vida profissional dele na instituição que nós estamos tentando, digamos, elevar no patamar mais alto.