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ENTREVISTA

Aline Maruse Monteiro Mariano Zotelli

Secretária Executiva, atual chefe de gabinete do Campus Campo Grande
por Paulo Gomes publicado: 19/07/2016 17h14 última modificação: 20/07/2016 10h32

Quem vê o sorriso aberto da secretária executiva e atual chefe de gabinete do Campus Campo Grande, Aline Maruse Monteiro Mariano Zotelli, não tem ideia do que essa mulher já passou. Abandonada pelo pai, ela só conseguiu o registro do sobrenome Mariano na certidão de nascimento aos 23 anos, depois de muitos conflitos, superações e decisões que colocaram o amor acima das dificuldades.

Na infância, ela viveu na favela. Todos os dias comia arroz com banana ou passava fome. Foi costureira para ajudar a sustentar a casa e, por decisão do destino, começou no secretariado ainda jovem. Mais tarde, decidiu assumir a vocação, fez faculdade na área e um planejamento para passar no concurso do IFMS. O plano de 100 dias.  

Ao entrar no Instituto, Aline viveu outra grande dificuldade. Grávida de cinco meses, teve que acompanhar a filha mais velha, de três anos, no hospital por causa de quadros graves de infecção. Na entrevista abaixo, ela conta como o IFMS e os servidores, que ela mal conhecia, foram importantes no amparo emocional necessário para vencer a situação.

Aline também compartilha, com alegria, as vitórias que obteve, fala emocionada sobre tudo que passou e diz que não vai sair do Instituto, pois quer ajudar a construir o futuro da instituição. Confira!

Como foi sua infância?

Eu nasci em uma família um pouco desestruturada. Meu pai foi embora de casa quando minha mãe estava grávida de oito meses. Ele, simplesmente, foi a Amambai, no velório do meu avô, e nunca mais voltou. Fui criada pela minha mãe e pela minha avó. Passamos por muitas dificuldades financeiras, fome. Nós comíamos arroz com banana todos os dias.

E quando você conheceu seu pai?

Nós nos encontramos quando eu tinha 13 anos. Foi muito interessante, porque entendi que Deus tem um propósito para a vida da gente. O meu pai foi embora de casa e minha mãe ficou sem saber o que tinha acontecido. Eu fiquei um ano sem nome, pois ela estava esperando ele voltar, até que minha mãe me registrou sem o nome do meu pai. Minha mãe ficou sabendo que ele tinha outra família, mas nunca foi atrás dele. Eu vivi a minha infância sem entender o que aconteceu.

No início da minha vida, tínhamos uma condição boa. Mas quando eu tinha sete para oito anos, minha avó perdeu tudo e tivemos que morar na favela. Era uma casinha de três peças, sendo que uma era de taboa. Sem luz, e a água era de poço. Questionei minha mãe sobre meu pai e perguntava para ela: onde ele está?

E o que ela respondia?

Ela sempre me disse que eu não podia ter raiva do meu pai. Essa frase tem uma importância muito grande na minha vida. Dizia que o problema do meu pai era com ela e não comigo. Talvez tenha sido uma forma dela me proteger, pois como não era comigo? Ele me abandonou!

Como foi o primeiro encontro de vocês?

Quando eu tinha 13 anos, minha irmã conheceu uma pessoa de Amambai e nós fomos procurá-lo. Descobrimos que ele estava passando férias em Campo Grande e conseguimos o telefone da casa da minha tia aqui. Quando ele atendeu, perguntou: “É a minha florzinha?”. Ele já sabia que era eu. Ele imaginava que um dia esse encontro iria acontecer. Nós nos encontramos numa tarde de agosto de 1991. Começamos ali uma relação de amor e ódio. Muito mais pela intransigência da minha madrasta, que não queria aceitar minha presença na vida deles. Eles já tinham dois filhos. Chorei bastante por conta disso. Eu falava para ele que ele não me abandonou só uma vez, na barriga da minha mãe, mas que isso era recorrente.

E quando vocês conseguiram reconstruir os laços de família?

O divisor de águas começou em 2010, quando eles sofreram um acidente vindo de Amambai para Campo Grande. A sogra do meu irmão morreu nesse acidente e todos ficaram muito feridos. Nesse dia a gente repensou sobre tudo. Quando fiquei sabendo que eles estavam feridos, eu me desesperei. Queria ouvir a voz do meu pai. Queria saber se ele estava vivo. Eles vieram para Campo Grande muito machucados. Minha madrasta precisou de cuidados intensos. Ficou com um problema sério na coluna e 90 dias imobilizada. De repente, a filha que ele rejeitou quis ser a filha dele de verdade e cuidar deles. Foi a melhor coisa que fiz na minha vida. Eu mostrei pra mim mesma que o amor supera tudo. Eu podia ter olhado para trás, para tudo que sofri e para o abandono, e ter deixado de lado. Mas isso não passou pela minha cabeça. Eu só queria abraçá-los e cuidar deles. E cuidei inclusive da minha madrasta.

A partir daquele episódio, as nossas vidas mudaram completamente. Hoje eu não vivo a minha vida sem a presença deles. Tenho a minha madrasta hoje como uma mãe.

O nome do seu pai só foi incluído na sua certidão quando você tinha 23 anos, certo?

Sim. Um dia eu disse para ele que queria entender o que tinha acontecido no passado. Queria que ele respondesse os questionamentos de uma vida inteira. Ele falou para mim com todas as letras: “Fui embora porque eu não amava sua mãe. E eu não quis ver você. Se eu visse você eu nunca mais teria ido embora e sua vida seria um inferno, porque eu não amava sua mãe”. Nesse dia eu entendi que ele não me abandonou. De alguma forma, ele me protegeu. A gente vê histórias de famílias desconstruídas porque os pais não se respeitam. Eu quero entender que seja assim.

E como você chegou ao Instituto Federal de Mato Grosso do Sul?

Eu tenho 21 anos de secretariado. De formação, tenho 10 anos. Trabalhei em muitos lugares. Por último, estava em um emprego no qual atuava como recepcionista. Eu tinha ficado um período desempregada e foi o que rolou. Uma amiga viu uma notícia de que o Instituto abriria concurso para secretariado. Esse é um cargo raro na Administração Pública. Quando eu vi essa notícia, falei: é agora ou nunca.

Foi então que você começou o projeto dos 100 dias?

Exatamente. Eu tinha projetado pra mim que até 2015 eu seria servidora pública. E federal. Eu peguei o edital e fiz um cronograma colorido, com as disciplinas, tudo bem didático. Fiz um projeto de 100 dias de estudo com tudo que contemplava o edital. Eu estudei todos os dias. Antes de estudar, fazia uma oração pedindo a Deus para que, se fosse para eu ser feliz no IFMS, que era para eu passar. Eu não queria mais ser infeliz. Passei por muitos lugares em que, por causa da necessidade, precisei ficar, mesmo estando infeliz. Hoje, eu estou no Instituto para ficar aqui. Não sou concurseira.

E como foi o concurso?

No dia do concurso, quando olhei a prova, eu passei mal, pois tudo que eu estudei estava lá. Passei no concurso, que foi homologado no dia do meu aniversário, 19 de dezembro. Um presente! Eu já estava grávida do Pedro Henrique [filho mais novo]. E amo o Instituto!

E você foi acolhida de uma forma muito especial pelo IFMS.

É uma história de emocionar. Eu comecei a trabalhar no dia 19 de fevereiro. No início de março, minha filha teve muita febre. Essas coisas de criança. Levei ao médico, ele disse que era virose estomacal. Consegui levar ao pediatra só quatro dias depois. Descobrimos que ela tinha uma infecção urinária e os antibióticos não conseguiam combater. Ela foi ficando muito mal. Até que foi internada. Na internação, ela só conseguia ficar bem a base de morfina. Tinha muita dor.

Ela precisou fazer um acesso venoso central [procedimento cirúrgico para injetar medicamentos] para tomar medicação, pois as veias dela, de apenas três anos, não resistiam mais aos antibióticos. Por acaso, foi feito um raio-x para ver se o acesso estava no lugar correto. Daí descobriram que ela estava com uma pneumonia grave, com derrame pleural. A primeira providência seria um dreno. Colocar uma mangueira para tirar o pus. Mas passou um período e constataram que não estava resolvendo. Então, fizemos uma tomografia, e ela tinha dois terços do pulmão necrosado. Então, seria necessário abrir o tórax para tirar a parte necrosada e fazer uma limpeza.

E qual o papel do Instituto nessa história?

Eu tinha um mês de Instituto. Não era ninguém aqui. Mas todos os dias em que eu estive com a Mariana internada, fui acarinhada pelo Instituto. O Joelson [Maschio, diretor-geral do Campus Campo Grande à época], que era meu chefe imediato, manteve contato diário comigo. Se não era ele, era alguém da diretoria, a Rosane [Fernandez, atual diretora-geral do campus] ou uma das meninas.

O doutor Daniel [Figueiredo, médico do IFMS] foi avisado e ele também me ligava para saber. Até foi bom pra mim, pois não fiquei a mercê do diagnóstico de outros médicos. Tinha ele para tirar as dúvidas. E não ficou só no âmbito do campus. A reitoria se envolveu. Recebi visita da Sofia [Urt], que é psicóloga, da doutora Marta [Ferreira, Procuradora-chefe do IFMS], da Ana Gabriela [Felix], depois a Ida [Rockel] na minha casa, com a filha dela. Eu me senti protegida. Senti que não estava sozinha. Além da situação em si, de ter um filho doente, eu estava grávida de 5 meses. É uma mistura de sentimentos muito grande, você fica se sentindo impotente.  Mas as pessoas se envolveram com a minha dor. É muito lindo saber que você não está sozinho.

Outra coisa que aconteceu no campus foi que a gente pediu cinco bolsas de sangue para poder substituir o banco de sangue na Santa Casa. O campus fez uma mobilização tão grande que, em questão de duas horas, havia cinquenta bolsas de sangue. Uma coisa muito linda. Vemos que fomos amados pelas pessoas.

Como está a Mariana hoje?

Está ótima. Já tem cinco anos. Ela é uma figura. Uma criança que me ensina muito. É muito tranquila, bem diferente de mim, que sou agitada. Ontem mesmo, ela me perguntou um assunto e eu não sabia responder. Daí ela disse: “Como assim? As mães das pessoas sabem de todas as coisas!”

E o Pedro?

Ele está bem, vai completar dois aninhos. O nome dele é Pedro Henrique porque resolvemos fazer uma homenagem ao pediatra da Mariana, que é Henrique. Ele foi maravilhoso, estava o tempo todo com a gente. Fizemos questão de colocar o nome para nunca esquecer.

Hoje é você quem acolhe o Instituto?

Eu estou na chefia de gabinete. O papel ali é isso mesmo. Trazer para a direção-geral os anseios da comunidade escolar. Acho que estou fazendo bem esse papel, pois o feedback é positivo. Também consigo entender as nossas necessidades para o futuro. Como quero ficar aqui, eu quero saber o que vai acontecer lá na frente. Saber em que eu posso ajudar.

O que você espera para o Campus Campo Grande?

Que ele se desenvolva muito mais. Que a gente seja conhecido muito mais na cidade e no Estado. O Campus Campo Grande tem muitas preciosidades que a gente não consegue mensurar agora. A bola da vez é a ida para a nossa casa. Acho que está faltando isso, a gente ir para o nosso campus definitivo, para a nossa casa, para as coisas fluírem, pois ainda parece que a gente está de passagem.

Acho que o campus tem muito a contribuir para o IFMS. Os professores são muito bons e o nível dos servidores é muito alto. Temos que aproveitar isso de alguma forma, cumprindo nossa missão, que é promover a educação com qualidade.